Agricultura Sustentável: Os Alimentos Menos Sustentáveis e a Comparação entre Produção Biológica versus Convencional
Mas a agricultura não é toda igual, diferentes produtos produzem diferentes níveis de emissões, tal como, diferentes produtos requerem diferentes quantidades de água. A água, tem sido um factor por vezes esquecido no debate sobre sustentabilidade e agricultura, no entanto a água doce, é dos recursos mais escassos no planeta. Do total de água existente no planeta, apenas 3% é água doce e passível de ser utilizada para consumo ou agricultura. Por fim, também nem todos os métodos de produção agrícola são iguais.
Nesta análise, para além de elencarmos os produtos mais poluentes e de maior consumo de água, refletimos sobre um estudo, sobre os diferentes níveis de poluição entre a agricultura convencional e a agricultura biológica, que nos ajudará a compreender que a prática agrícola biológica poderá nem sempre estar de mãos dadas com os objectivos climáticos.
Legenda: Emissões por sector económico. Fonte: (IPCC).
Emissões de gases de efeito estufa por 1000 Calorias:
Fonte: (OurWorldInData - Poore and Nemecek, 2018)
Uso de água doce na produção de 1000 Calorias:
Fonte: (OurWorldInData - Poore and Nemecek, 2018).
No que diz respeito aos dados sobre os níveis de emissões poluentes, estão neles considerados todos os inputs necessários, ou seja, para além das emissões inerentes á própria produção, estão também considerados os níveis de emissões gerados pelo uso de energia necessário á produção, uso de pesticidas, fertilizantes e transporte. Ou seja, a medição atende a toda a cadeia de produção.
Uma rápida análise dos dados, permite confirmar o que já é de senso comum, que nomeadamente a produção animal e derivados, são o subsector agrícola mais poluente, mas também aquele que exige uma maior quantidade de água na sua produção. No entanto os gráficos também apresentam alguns produtos, que apesar do seu peso em ambas as variáveis (Emissões e Água), não são por vezes tão referidos no debate sobre sustentabilidade e agricultura. Como por exemplo o café, os tomates, o chocolate, as brássicas (Couves, rúcula, rabanete, nabo), as bagas (exemplos como: morango, cereja, framboesa, amora, mirtilos, gojiberry, cramberry e açaí) e a uva.
Será a agricultura biológica sempre a melhor solução, quando falamos sobre uma agricultura mais sustentável e menos poluente?
Esta questão, levantada por Clark and Tilman em 2017, no seu estudo os sistemas de agricultura convencional e de agricultura biológica, trouxe algumas considerações interessantes para o debate.
No estudo, a agricultura biológica refere-se ao cultivo de culturas ou pecuária sem o uso de produtos sintéticos, incluindo fertilizantes sintéticos, pesticidas, reguladores de crescimento de plantas, nano materiais e organismos geneticamente modificados (OGM). A agricultura convencional ou industrial é, portanto, qualquer sistema agrícola que utiliza um ou mais dos factores de produção sintéticos acima mencionados.
No estudo, as emissões são medidas em todo o ciclo de produção, considerando todos os inputs necessários para a obtenção do output, neste caso o produto alimentar.
O estudo mede cinco factores para diferenciar os dois tipos de produção, nomeadamente:
- As emissões de gases de efeito estufa (GEE) são reportadas através da medição de dióxido de carbono, que inclui as emissões de gases de efeito estufa provenientes de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso.
- O uso de energia é relatado em kJ e inclui a energia utilizada durante as atividades pré-agrícolas e no local de produção, incluindo, mas não se limitando, á produção de fertilizantes, á construção de infraestrutura e uso de máquinas.
- O uso da terra mede a quantidade de terra é ocupada durante a produção de alimentos. Sendo contabilizada a terra usada para cultivo e/ou alimentação de gado, para abrigar animais e para pastar ruminantes.
- O potencial de acidificação mede o aumento potencial da acidez de um ecossistema. O excesso de acidificação torna mais difícil para as plantas a assimilação de nutrientes e, portanto, resulta na diminuição do crescimento das plantas.
- A eutrofização mede o aumento de nutrientes que entram num dado ecossistema. A eutrofização tem impactos ambientais substanciais, incluindo, entre outros, proliferação de algas e zonas aquáticas mortas.
Legenda: Medição dos impactos da agricultura biológica nos cinco factores em análise. Fonte: (Clark and Tilman, 2017).
Os sistemas de agricultura biológica apresentam um maior potencial de uso do solo e de eutrofização e tendem a ter um maior potencial de acidificação. Já os sistemas convencionais exigem maior uso de energia e dependem de fertilizantes ricos em nutrientes, herbicidas e pesticidas que podem ter impactos negativos na saúde humana. Em geral, as fontes de emissão de gases com efeito de estufa dos sistemas biológicos e convencionais tendem a anular-se mutuamente. Os sistemas convencionais produzem gases com efeito de estufa através da produção e aplicação de fertilizantes sintéticos, o que é largamente compensado pelas emissões mais elevadas de óxido nitroso (um forte gás com efeito de estufa) provenientes da aplicação de estrume.
Com base nos valores indicados, podemos aferir que, a agricultura biológica de leguminosos e frutas, revela um nível de emissões favorável, sem que outros factores saiam prejudicados. Já a agricultura convencional como principal produtora de bens alimentares como cereais, vegetais e produtos animais, poderá ter uma vantagem face á agricultura biológica, se avaliados e devidamente pesados, os cinco factores.
Pecuária extensiva (em pasto aberto) vs Pecuária intensiva (industrial, confinado).
Legenda: Medição de emissões poluentes do pastoreio versus pecuária intensiva. Fonte: (Clark and Tilman, 2017).
O maior uso da terra e a tendência para maiores emissões de GEE na carne bovina alimentada em pasto decorrem das menores densidades de macronutrientes e digestibilidade dos alimentos obtidos em pastoreio. Assim, os animais alimentados em pasto exigem maiores quantidades de alimento por unidade de carne produzida versus sistemas alimentados com grãos. Algo que está muitas vezes relacionado com o tipo de terrenos utilizados para pastoreio, geralmente menos nutritivos e férteis.
Maior consumo e menos nutrição, implica o aumento no uso de terra para a alimentação em pastoreio. Além disso, como o gado alimentado com pasto atinge o peso de abate mais lentamente, e é abatido 6 a 12 meses mais tarde do que o gado alimentado com grãos, as emissões de metano ao longo da vida, por unidade de produzida, tendem a ser maiores para o gado alimentado em pasto. A fontes de emissões ajudam a explicar isso.
As emissões do gado alimentado a cereais, em sistemas intensivos emite um rácio de emissões de: 30% produção do alimento, 52% emissões da produção. Já as emissões do gado alimentado em pasto correspondem a 20% em produção de rações, e 61% em emissões durante o processo produtivo.
Pesca de arrasto versus pesca sem arrasto versus dois métodos de aquacultura.
Legenda: Emissões nos diferentes sistemas de pesca (de arrasto e não-arrasto) e aquacultura. Fonte: (Clark and Tilman, 2017).
A análise de dez sistemas de pesca com arrasto, e dez sistemas sem arrasto, mostram que a pesca com arrasto emite 2,8 vezes mais emissões poluentes do que a pesca sem arrasto, devido ao elevado consumo combustível necessário á prática dos métodos de arrastão. A análise também demonstra que a pesca de arrasto tem um impacto negativo nas espécies não-alvo, através de elevadas taxas de captura acidental em relação a outros métodos de captura de peixe, e através da degradação do ecossistema resultante do arrastamento de uma rede através do fundo do mar.
Já o peixe criado pela aquacultura em sistemas sem recirculação (que não requeiram fortes inputs de energia, como sistemas de aquacultura de circulação forçada), podem ser uma alternativa, que gera menores emissões, comparativamente com a pesca de arrasto, sendo inclusive uma alternativa, de emissões equivalentes, à pesca sem arrasto, e cuja adopção poderia aliviar a pressão sobre a pesca em excesso e o ecossistema marítimo.
Cultura em estufa versus cultura em campo aberto.
Legenda: Agricultura em estufa versus campo aberto, emissões e avaliação dentro dos cinco factores em análise. Fonte: (Clark and Tilman, 2017).
A análise do sistema de cultura em estufa versus campo aberto mostra que os sistemas de produção em estufa tendem a emitir quase três vezes mais GEE, devido à energia necessária para manter as estufas em condições ideais de cultivo. É importante referir, no entanto, que os inputs energéticos podem diferir muito entre o tipo de estufas. Por exemplo, as estufas que são aquecidas e iluminadas necessitam de mais energia para serem mantidas do que as estufas que não são aquecidas nem iluminadas. O uso da terra em sistemas de estufa é, em média, menos de um quarto, comparativamente com campos abertos. A produção por metro quadrado em estufa é mais elevada e, portanto, a utilização de terra é inferior.
Quando falamos em agricultura, ou no que produzir, ou como produzir, a conclusão que é possivel retirar dos dados apresentados, é que nenhuma solução é definitiva ou milagrosa.
O sistema de produção industrial requer inputs como, energia e uso de produtos químicos, que agravam a pegada ecológica da actividade. No entanto, para obter o mesmo output de produção (quantidade de alimentos), a agricultura biológica requer mais área cultivada, e emite também um nível significativo de emissões poluentes, através do uso de produtos de tratamento, aprovados para o método de produção biológica, tal como através do uso de estrume. A prática biológica provoca também outros efeitos negativos, de forma mais acentuada, como a acidificação e a eutrofização.
No entanto, o estudo deixa claro que a produção biológica tem claras vantagens consoante o tipo de alimento produzido, tal como, é evidente que alimentos produzidos através do sistema biológico, ou a criação animal em pasto, têm externalidades positivas para a saúde humana, pela maior nutritividade, e ausência de químicos, presentes nos alimentos. Convém também salientar que ( mesmo que, não tenha sido objecto de análise neste estudo, e que mesmo dentro do sistema biológico, haja diferentes métodos, impossiveis de medir cientificamente neste análise), os sistemas de produção biológicos tendem a obter melhores resultados na captura de carbono, através da criação de sistemas produtivos mais variados e holísticos (permacultura por exemplo), logo, se fosse contabilizado o balanço entre emissões e captura de carbono, o sistema biológico iria concerteza melhorar o seu resultado na análise.
O estudo, na sua conclusão, refere também um aspecto importante: a inovação e melhoria da eficiência dos sistemas produtivos.
Parece-nos que o faz com todo o sentido. Apenas com a melhoria dos índices produtivos de cada sistema, é possivel reduzir a pegada ecológica de cada unidade de alimento produzida. Tanto o sistema convencional deve melhorar os seus níveis de produção, procurando em simultâneo recorrer o menos possível a inputs poluentes (menos energia, menos químicos), como o sistema biológico deve procurar aumentar os seus níveis de eficiência.
Importa referir por fim, que este desenvolvimento, em prol de uma maior eficiência produtiva, que seja também menos poluente, terá de ter em conta, as dificuldades futuras, que as alterações climáticas podem vir a apresentar.
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