As Alterações Climáticas e o Alarme dos Pontos Críticos de Inflexão dos Ecossistemas

 


Quando debatemos o tema das alterações climáticas, por vezes recorremos a questões como a subida da temperatura; a deflorestação; o degelo dos glaciares; a poluição dos oceanos ou as emissões de CO2. Recentemente, começámos a debater também acontecimentos climáticos concretos, com impacto na vida de milhões de pessoas. Sendo que, todos estes fenómenos, estão bastante interligados. Uma das formas de melhor compreender a relação entre todos estes fenómenos, e o desafio que atravessa que nosso ecossistema, é através do estudo sobre os pontos críticos de inflexão climática, através do qual, é possível compreender o fenómeno, a dimensão do desafio, tal como o ponto em que nos encontramos agora.

O que são afinal, segundo a comunidade científica, os pontos críticos de inflexão climáticos?


Em 2008, Timothy M. Lenton e seus pares, lançaram um artigo científico, onde identificaram nove pontos críticos de não retorno, ou pontos de inflexão climáticos. Para Lenton, o termo “ponto de crítico”  refere se a um limite crítico no qual uma pequena perturbação pode alterar qualitativamente o estado ou o desenvolvimento de um ecosistema
(Lenton, et al., 2008).

Legenda: Timothy M. Lenton sobre “O que é um ponto crítico climático”

Estes pontos, alguns de influência global, outros de influência regional, permitiram, simplificar a monitorização do aquecimento global, tal como, deixaram claros os limites do nosso ecossistema. Providenciaram também, uma ferramenta para a definição de metas e limites climáticos, na medida em que deixam claro, quais os pontos de não retorno, em cada ecossistema, consoante os níveis de subida da temperatura global.

O que implica atingir e/ou ultrapassar um ponto crítico climático?


A mudanças associadas à ultrapassagem de um ponto de crítico podem ser caracterizadas como; autoperpetuantes, ou seja, a inflexão dá inicio a um processo de agravamento contínuo, independentemente do que se faça após o fenómeno ter sido atingido, que não só terá impactos substanciais como generalizados; abruptas, na medida em que as mudanças climáticas de uma inflexão, tendem a se manifestar de uma forma mais acelerada, face as que tinham vindo a ser identificadas; e muitas vezes irreversível, na medida em que dão origem a uma sequência de alterações, que se auto reforçam, incapacitam o sistema de voltar á sua forma inicial, caminhando assim para um novo estado, dotado de características diferentes face ao estado anterior
(Armstrong McKay et al., 2022 e Milkoreit et al., 2018).


 
Legenda: Pontos críticos climáticos e o limite máximo ao aumento das temperaturas. (Armstrong McKay et al., 2022).


Em 2022 Armstrong McKay e seus pares, revisitaram a análise aos vários pontos de inflexão, inicialmente apresentados por Lenton. Nesta nova análise, eliminaram dois dos nove pontos de inflexão, originalmente identificados por Lenton, devido á falta de evidências científicas, no entanto, acrescentaram nove pontos de inflexão, que tinham sido anteriormente ignorados, elevando o total para dezasseis pontos críticos climáticos.

De acordo com uma das conclusões do estudo, cinco pontos críticos podem já ter iniciado um processo de inflexão, devido a já ter sido atingido um nível de aquecimento global de 1,1ºC (valor comparativo face á temperatura registada na Terra, na era pré-revolução industrial).

Dentro destes, as consequências mais graves são consideradas; o colapso da camada de gelo da Gronelândia; um derretimento abrupto de gelo rico em carbono, que dará origem a uma enorme subida do nível do mar, e á perturbação de correntes marítimas chave no Atlântico Norte, desregulando períodos de chuva, dos quais milhares de milhões de pessoas dependem para se alimentar; e a morte dos recifes de corais.



Fonte: Exceeding 1.5°C global warming could trigger multiple climate tipping points (Armstrong McKay et al., 2022)

 

Os novos pontos críticos identificados no recente estudo liderado por Armstrong McKay, e as suas consequências.


Segundo o estudo, composto pelo contributo de mais de duzentos investigadores e artigos, caso o aumento de temperatura global atinja os 1,5ºC (está actualmente em 1,1ºC), cinco pontos de inflexão serão atingidos e podem trazer alterações nas florestas do hemisfério norte, a perda de quase todos os glaciares montanhosos, tal como, a extinção dos recifes de coral tropicais e, alterações nas monções da África Ocidental.

Já no que refere aos novos nove pontos críticos, os investigadores consideram que estes serão alcançados, caso o aquecimento global ultrapasse os 2ºC. Se tal acontecer, o Mundo estará perante novas consequências como: 


  • O colapso da Antártica Ocidental;
  • Perda de dois terços dos mantos de gelo da Antártica Oriental;
  • O colapso da Groenlândia;
  • O colapso parcial a total, da circulação meridional do Atlântico (AMOC), que terá consequências como o arrefecimento generalizado no hemisfério norte, entre 4ºC a 10ºC, alterações no padrão das chuvas tropicais e subida do nível do mar no hemisfério norte;
  • A morte da floresta da Amazônia, passando de um clima tropical para clima de savana e resultando no aumento, em quantidades colossais, de dióxido de carbono na atmosfera;
  • O colapso da camada de gelo e a perda de gelo marinho no inverno Ártico.



No caso da circulação meridional do Atlântico (AMOC), um recente estudo, afirma que o processo de ultrapassagem deste ponto crítico, pode já estar em fase avançada, sendo anunciado o seu colapso para uma data entre 2025 e 2090. Avançando os autores do estudo para uma data a rondar o ano de 2050
(Ditlevsen, P., Ditlevsen, S., 2023).


A relação de interdependência entre os vários ecossistemas e pontos críticos, o efeito dominó da inflexão climática.


Se tudo isto, já parece grave o suficiente, convém recordar, como mencionado anteriormente, que estes fenómenos se auto-perpetuam. De acordo com as evidências científicas, e com a ausência de um processo de combate ás alterações climáticas mais eficaz, é percetível que a curto-prazo alguns pontos críticos possam ser ultrapassados. E neste âmbito, independentemente de serem nove, ou dezasseis, devemos questionar, em que medida a ultrapassagem de um ponto crítico, poderá contribuir para o agravamento e ultrapassagem de outros pontos? Afinal, todos os pontos críticos, remetem para ecossistemas, cuja própria existência e equilíbrio, combate a subida da temperatura global. Ora, muito possívelmente, perante o colapso de um ou mais ecossistemas, o processo de destruição de outros, será acelerado.

Á luz deste conceito, um artigo de Teng Liu, e seus pares, tentou aferir as possíveis relações entre pontos críticos, e de que forma estes, se podiam reforçar cumulativamente, tendo encontrado relações de interdependência, que reforçam a ideia de que, o colapso de um sistema, pode acelerar o colapso de outros
(Liu, T., Chen, D., Yang, L. et al. 2023).

 


Legenda: Interconectividade entre diferentes pontos críticos de inflexão. (Liu, T., Chen, D., Yang, L. et al. 2023).

 

Concluindo...


Os pontos críticos de inflexão climática, ou de não retorno, identificam uma série de ecossistemas essenciais ao equilíbrio climático na Terra. No plano científico podem ser considerados como, pontos de observação e diagnóstico, onde elencam vários ecossistemas, considerados chave para o equilíbrio climático na Terra, que possibilitam o estudo sobre quais os impactos, perante o aumento da temperatura global, nos vários ecossistemas e no clima da Terra. 

Os pontos críticos, caracterizam-se, pelos seus mecanismos de reforço negativo, interdependência, e pela sua irreversibilidade. Simplificando, podemos considerar a subida da temperatura global como uma bola que vai escalando até ao topo de uma colina, e que quando atinge o seu ponto mais alto, é atingido o ponto crítico de inflexão num dado ecossistema, algo que dará origem a uma descida acelerada, que produz alterações significativas em dado ecossistema, de díficil ou impossível reversão, e com efeito contágio noutros ecossistemas, agravando e densificando a crise climática e os fenómenos adversos associados.

O estudo foi apresentado na recente COP28 em dezembro de 2023. A comunidade científica insiste para que se trabalhe, para que não se ultrapasse o limite de 1,5ºC de aquecimento global, por forma a evitar alterações climáticas de consequências mais catastróficas. Consideram também, que independentemente da noção que a sociedade civil ou o poder político possa ter, sobre o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido, no combate ás alterações climáticas, o actual esforço não é suficiente, e que em breve podemos estar perante consequências irreversíveis.

O conceito de pontos críticos de não retorno, oferecerem á sociedade, uma melhor compreensão do fenómeno climático, dos ecossistemas chave que estão sob ameaça, e das consequências da sua detiorização ou destruição. Da interdependência e irreversibilidade do problema, e de como o clima não vai esperar pelas políticas ambientais. Tal como, ofecerem o vislumbre, de uma futura realidade, onde teremos de abrir um novo debate, não sobre como evitar as alterações climáticas, mas como aprender a lidar com os seus efeitos.


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