A Indústria da “Moda Rápida” – Um Modelo de Negócio Insustentável

Na presente publicação, vamos abordar o conceito de moda rápida, explicar em que consiste, ao mesmo tempo, vamos expor o peso e os efeitos negativos do sector têxtil para o ambiente, e por fim, fazer referência ás medidas para combater o fenómeno de moda rápida que estão a ser discutidos em França actualmente.

Fast fashion, ou em português, a moda rápida, consiste num modelo de negócio vocacionado para a produção rápida e em grande escala de roupas, que procuram atender às tendências actuais, e que promove ciclos de constante mudança de tendências. O termo foi popularizado em 1989 com a abertura da primeira loja Zara nos Estados Unidos, onde o objetivo era criar designs e colocá-los no mercado em apenas 15 dias.

O modo de funcionamento deste modelo de negócio, consiste na produção e promoção de designs inspirados em peças de roupa e outros elementos luxuosos usados por celebridades ou apresentados em desfiles de moda, de estilistas famosos. O objetivo das marcas é disponibilizar os designs aos consumidores enquanto estão em alta, o mais rapidamente possível, e a preços acessíveis.

Entre as marcas que promovem este tipo de prática, temos grandes marcas como a Zara e a H&M, e um vasto leque de retalhistas exclusivos online, como a Shein, Temu, Boohoo, ASOS, PrettyLittleThing e Fashion Nova, que têm crescido em popularidade e influência no mercado de moda. (Fonte: CNN).  

Estima-se que toda a cadeia de valor da indústria téxtil têxtil seja responsável por entre 2% e 8% das emissões globais de gases de efeito estufa, sendo responsável por níveis significativos de poluição e extração e uso de água, tal como é responsável por fortes impactos na biodiversidade. 

Por ano, a indústria consome 215 trilhões de litros de água, e contribui com 9% para poluição anual de microfibras poluentes nos oceanos. Para agravar a questão, a indústria téxtil de fast fashion, dado o seu foco na competição pelo preço, aposta cada vez mais em fibras sintéticas, derivadas do petróleo, agravando assim a pegada ecológica da indústria téxtil, dificultando a sua conversão para fontes mais sustentáveis. 

As pressões ambientalistas, para a transformação e reforma do sector, com vista á adopção de políticas mais sustentáveis, podem custar cerca de 110 bilhões de euros para as empresas do sector, no entanto, tais alterações poderiam, em última instância, salvar às empresas 54.1 trilhões de euros.  

Os efeitos secundários da fast fashion, são já bem visíveis no comportamento dos consumidores. O número de vezes que um item é usado antes de ser descartado (utilidade têxtil) diminuiu cerca de 36% nos últimos 15 anos. Já o  consumidor médio dos Estados Unidos comprou, em média, 69 peças de vestuário por ano em 2021, comparado com 40 peças, na década de 1990. A cada segundo, em todo o mundo, o equivalente a um caminhão de lixo cheio de roupas é deitado fora, totalizando um valor estimado de 460 bilhões de euros. (Fonte: Programa Ambiental das Nações Unidas). 

Um exemplo evidente do desperdício têxtil, é o chamado cemitério de roupa no Chile, que tem vindo a ser notícia, e considerado um exemplo evidente dos efeitos secundários das estratégias de consumo induzidas pela indústria têxtil de roupa.

Legenda: Cemitério de roupa em Atacama no Chile, visão aérea. (Fonte: Meteored).

Legenda: Cemitério de roupa em Atacama, Chile. (Fonte: New York Post). 

Em França, para enfrentar as marcas de fast fashion, recentemente um deputado do partido conservador Les Républicains, Vermorel-Marques, sugeriu incluir uma taxa de €5 a 10€ sob cada peça de roupa de fast fashion, visando assim, beneficiar o meio ambiente, desincentivando o consumo de moda rápida, tal como ao mesmo tempo, procurando proteger a indústria têxtil francesa, que tem sido fortemente penalizada pela concorrência externa, e pelo fenómeno de moda rápida.  

A medida apesar de ser alvo de críticas por parte das grandes marcas que praticam este modelo de negócio, tem ganho alguma adesão no parlamento francês. Os seus defensores defendem que as marcas de fast fashion, em vez de seguirem com os padrões comuns da moda, de apresentação de novas colecções quatro vezes ao ano, lançam milhares de novos produtos diariamente. 

Segundo o projecto de lei apresentado no parlamento, que será discutido durante o més de Março, a tendência de fast fashion, caracterizada por grandes volumes, grande rotação de items, e preços baixos, está a moldar os padrões de consumo dos consumidores, originando impulsos de compra e uma constante necessidade de renovação, o que se traduz em consequências ambientais, sociais e econômicas.  

Legenda: Utilização da mesma roupa em comparação com compra de roupa nova. (Fonte: Ellen MacArthur Foundation, dados baseados no relatório Euromonitor International Apparel & Footwear 2016 Edition, e Banco Mundial).

O projecto de lei, faz ainda referência á empresa chinesa Shein, que em média, lança mais de 7.200 novos modelos de roupas por dia e disponibiliza mais de 470.000 produtos diferentes aos consumidores. Para compensar o impacto ambiental da fast fashion, os deputados propõem multas de até 10 euros por item vendido, ou até 50% do preço de venda, até 2030. (Fonte: Reuters). 

É curioso o facto da medida ser apresentada pela ala direita parlamentar, que talvez seja explicado pela forma como este tema, consegue juntar motivações protecionistas de mercado, ao tema da sustentabilidade e do combate ás emissões e á poluição. 

Politica e economicamente, poderíamos questionar em que medida estará a França disponível para taxar outros bens importados, com níveis elevados de emissões de CO2, mas dos quais não dispõe de alternativa viável no mercado Europeu. Como também poderíamos questionar, tal como já avançamos neste espaço, o que fará a França quando a China atingir níveis de uso de energia renovável impares a nível mundial, afinal, a Europa segue bastante atrás da China em matéria energética.   

Por fim, a medida não deixa de ter o seu mérito no plano simbólico, afinal, dá vida ao debate sobre o consumo, e sobre a qualidade dos bens produzidos, ás suas origens a á pegada ecológica dos bens de consumo, neste caso a roupa

Talvez para se conseguir reduzir a poluição, também será necessário reduzir o volume produzido, logo, consumir menos. Mas para consumir menos, os bens devem oferecer mais qualidade e longevidade. A economia, assente numa lógica fortemente capitalista, poderá precisar de alguns ajustes perante esta mudança. Já para os consumidores, implicará uma mudança de paradigma, perda de antigos hábitos de consumo, em favor de uma nova responsabilidade ética ambiental.

 

 

Sem comentários

Com tecnologia do Blogger.