A Insustentabilidade Ambiental do Capitalismo e as Alternativas: Degrowth e Green Growth

Nesta publicação vamos apresentar os conceitos de degrowth e green growth, em que consistem, como podem contribuir para um desenvolvimento económico mais sustentável, no plano social e ambiental, e que resposta oferecem face ás ineficiências e á insustentabilidade do modelo capitalista.

No nosso espaço temos apresentado diversos temas, sobre energia, consumo, agricultura e gestão de recursos, recorrendo a dados e informação, que nos ajudam a compreender a dimensão dos problemas actuais, em matéria de sustentabilidade ambiental e energética. No entanto, todos eles foram abordados no sentido daquilo que, está a ser feito, ou poderá ser feito, para mitigar a pegada ecológica causada pela actividade humana, mas sem nunca colocar em questão o próprio sistema económico em si, neste caso, o sistema capitalista, e quais as possíveis alternativas.

 

O modelo capitalista

O capitalismo, definido como um sistema económico assente em produzir com o principal objectivo de gerar lucro, promovendo a competitividade no mercado, sendo a maximização do lucro privado o seu princípio base. 

As virtudes do sistema capitalista estão incorporadas na sua capacidade de gerar elevadas taxas de produtividade e crescimento. A lógica de maximização dos lucros induz um investimento constante em novas tecnologias para aumentar a produtividade e eficiência, e uma constante preocupação na maximização dos recursos, minimizando os inputs necessários para gerar o máximo de outputs. 

O capitalismo tem vindo a desempenhar um papel inegável na melhoria das condições de vida da população mundial. Seja no acesso a bens essenciais, seja pelo desenvolvimento da inovação, ou seja na melhoria de índices de qualidade de vida, saúde, educação e bem estar. 

Legenda: Poder de compra per capita desde o ano 1000, até 2000. Fonte: (Bradford, 1998).


Legenda: Expectativa de vida 1500-2016. Fonte: (Human Progress).


Legenda: Número de mortes por fome extrema. Fonte: (Washington Post).

No entanto, o capitalismo, para permanecer estável, assenta numa lógica de crescimento infinito, sendo esta a sua única receita para elevar os padrões de vida e manter níveis de emprego elevados. Qualquer percalço nos níveis de crescimento, tem o potencial de gerar disrupções económicas e sociais graves. Assim sendo, obriga a que empresas e governos, procurem a todo o custo, manter o sistema a funcionar, atravês de um constante incentivo ao crescimento.

A produção em si é contingente ao consumo. Sem consumo suficiente, o ciclo de produção entra em queda, gerando recessões. O consumo é então, o lado oposto da moeda de um ciclo de estabilidade económica e social. 

Assim sendo, mais consumo, mais produção, quanto maior for a produção, maior será a quantidade de vendas, logo maiores serão os lucros, que por sua vez são cruciais para sustentar elevados níveis de emprego e para financiarem novo investimento, que por sua vez, reforça o ciclo capitalista, aumentando novamente a necessidade de gerar mais consumo, mais produção, mais vendas e lucros. 

Mas se vivemos num planeta com recursos ecológicos e naturais limitados, como podemos sustentar este ciclo? Se a quantidade finita de recursos naturais existentes no mundo não consegue sustentar níveis de consumo e produção crescentes, o sistema não é sustentável a longo-prazo. Assim sendo, ou se pondera alterações ao sistema agora, ou se admite a possibilidade de esgotar totalmente os recursos no futuro.

Por último, o capitalismo, não gera apenas um aumento da produção, gera também o aumento do desperdício, no nosso espaço já referimos alguns exemplos, como o desperdício alimentar, toneladas de resíduos, ou lixo, que requerem tratamento, ou que muitas das vezes acabam por poluir o próprio ambiente (ex: poluição dos oceanos), ou o fenómeno da moda rápida.

 

O conceito de Degrowth

Na tentativa de formular um novo conceito, que ofereça uma resposta as ineficiências e à insustentabilidade do modelo capitalista, surge o conceito de degrowth, ou decrescimento. 

O modelo degrowth defende que as economias ricas deveriam abandonar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) como objectivo central da sua actividade económica, combater o desperdício e desinvestir em modos de produção não sustentáveis ou poluentes, e recentrar a actividade econômica com vista a objectivos como garantir que as principais necessidades humanas são correspondidas, e não pelo volume de consumo de bens, tal como, medir os resultados económicos em função da promoção de elevados níveis sociais de bem-estar.

Esta abordagem, promove uma mais rápida descarbonização e procura travar a degradação dos recursos naturais, reduzindo o consumo e promovendo ao mesmo tempo a melhoria de índices sociais. A teoria advoga que os países mais ricos do hemisfério norte deveriam reduzir o volume de energia que consomem, em detrimento de países mais pobres do hemisfério sul, que ainda precisam de aumentar os seus níveis de consumo para satisfazer certas necessidades básicas. 

Degrowth consiste numa estratégia intencional de redução dos níveis de produção e consumo, mantendo a preocupação em evitar recessões económicas. O conceito defende a estabilização das economias desenvolvidas, através da reconversão de parte da actividade económica, para áreas mais sustentáveis, como a economia verde. Recentes relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e da Plataforma Intergovernamental de Política Científica sobre Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES) sugerem que políticas de degrowth deveriam ser consideradas na luta contra a crise climática e a perda de biodiversidade.
 

Políticas de degrowth podem passar por:

  • Reduzir selectivamente a produção mais poluente. Reduzindo o peso de sectores fortemente dependentes de combustíveis fósseis;
  • Redução da produção e consumo de carne e laticínios produzidos em escala, tipo de alimentação essa que está associada a níveis de poluição mais elevados
  • Combater a moda rápida; desincentivar o marketing e publicidade; reduzir drásticamente o uso de carros e aviação, incluindo jatos particulares. Ao mesmo tempo, apostar em estratégias e políticas com vista a prolongar a vida útil dos bens de consumo; 
  • Reduzir o poder de compra das classes altas, aumentando assim a igualdade social e reduzindo o consumos exagerados de determinadas classes sociais;
  • Melhorar os serviços públicos, garantindo acesso universal a serviços de saúde, educação, habitação, transporte, internet, energia renovável e alimentos nutritivos de alta qualidade. Serviços públicos universais garantem necessidades sociais, cujo efeito de economias de escala, reduz o desperdício de recursos;
  • Introduzir uma garantia de empregos verdes, criando oferta de formação e vocacionando a mão-de-obra para o desenvolvimento de actividades originem outputs sociais e ecológicos benéficos, como instalação de energias renováveis, isolamento de edifícios, regeneração de ecossistemas e melhoria dos cuidados sociais. Estas medidas de transição no mercado de trabalho, podem também ser combinadas com políticas de rendimento universal garantido;
  • Reduzir a semana de trabalho, diminuir a idade de reforma, incentivar o regime de part-time ou adoptar a semana de trabalho de quatro dias. Estas medidas reduziriam as emissões de carbono e libertariam as pessoas para se dedicarem a actividades de cuidados sociais ou outras actividades ligadas ao aumento do seu bem-estar. Também estabilizariam os níveis de emprego à medida que a os níveis de produção iam diminuindo;
  • Possibilitar o desenvolvimento sustentável de regiões desfavorecidas, perdoar dívidas injustas e impagáveis a países pobres, promover um sistema comercial internacional mais justo e criar condições para que a capacidade produtiva seja reorientada para alcançar objectivos sociais.

Fonte: (IPCC).
 

Por último, o conceito de Green Growth

Talvez devido ao facto do conceito de degrowth ser considerado por alguns, como uma política extrema, cuja implementação poderia ser permeável a fortes perturbações económicas e sociais, alguns economistas consideram o conceito de green growth, mais realista.  

Segundo a OCDE, políticas económicas de green growth tém como objectivo promover o crescimento desenvolvimento económico, procurando garantir ao mesmo tempo, que os recursos naturais sejam utilizados de forma sustentável, por forma a que estes continuem a fornecer os recursos e serviços ambientais, nos quais nosso bem-estar depende.

Políticas de green growth podem passar por:

  • Aumentar a produtividade, criando incentivos para uma maior eficiência no uso de recursos naturais, reduzindo o desperdício e o consumo de energia, desbloqueando oportunidades para inovação e criação de valor, e alocando recursos para bens de maior valor;
  • Aumentar a confiança dos investidores por via de uma maior previsibilidade na forma como os governos lidam com questões ambientais importantes;
  • Abrir novos mercados estimulando a procura de bens, serviços e tecnologias verdes;
  • Contribuir para a consolidação fiscal, gerando receitas por via de impostos verdes e pela eliminação de subsídios ambientalmente prejudiciais. Estas medidas também podem ajudar a gerar ou libertar recursos para programas de combate à pobreza em áreas como fornecimento de água e saneamento, ou outros investimentos sociais;
  • Reduzir os riscos de choques negativos ao crescimento devido a constrangimentos na obtenção de recursos, bem como reduzir os impactos ambientais prejudiciais e potencialmente irreversíveis.

Fonte: (OECD).

Ou seja, o green growth assenta na ideia de conjugar os mecanismos envolvidos no sistema capitalista, com objectivos ambientais. Assume como princípio base, a transformação dos sistemas de produção, para níveis mais sustentáveis, seja no uso de energia, nos níveis de poluição que emitem, na escolha de matérias-primas e na promoção do consumo responsável e sustentável. Reforça também a preocupação no combate ao desperdício, e o incentivo ao investimento verde.

Legenda: Esquema do conceito e políticas de Green Growth. Fonte: (OCDE).

Green growth consiste num leque alargado de políticas que temos visto refletidas nos programas nacionais e regionais de combate ás alterações climáticas. Traduz-se numa forma de condicionar o sistema económico capitalista, onde o foco no lucro e na produtividade não desaparece, mas são acrescentados novos desafios á sua obtenção, nomeadamente através de práticas mais sustentáveis. No entanto, não faz menção aos níveis de consumo, nem oferece resposta ao problema  dos recursos naturais finitos.

Fica a reflexão, se o capitalismo como o conhecemos já tornou evidente o seu cariz insustentável, e uma aposta em políticas de degrowth parecem demasiado radicais, será que políticas de green growth, como solução intermédia, serão suficientes?



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