Alterações Climáticas Desequilibram a Produção Agrícola Mundial

A agricultura é o sector mais exposto e vulnerável aos efeitos das alterações climáticas. O aquecimento global e o aumento da frequência de eventos climáticos extremos podem ter fortes impactos nos níveis de produção agrícola, na segurança alimentar mundial, e na própria sobrevivência do sector.  

A questão torna-se ainda mais complexa quando se avalia os efeitos secundários causados por eventuais disrupções na produção alimentar mundial. O aumento dos preços; o aumento da população em risco de fome; o agravamento de assimetrias e desigualdades regionais, entre os hemisférios norte e sul; desertificação de territórios aliados a fluxos de migração em massa.  

O número de pessoas a sofrer de insegurança alimentar aguda aumentou de 135 milhões em 2019 para 345 milhões em 82 países em 2022, como consequência do efeito covid e dos efeitos nos preços dos cereais nos mercados mundiais, da guerra da Ucrânia e de disrupções nas rotas de abastecimento. Sendo que não houve sequer, uma quebra de produção mundial significativa durante os últimos 4 anos, resta imaginar as consequências de eventuais quebras de produção anuais a nível mundial.


Legenda: Flutuação do preço do trigo mundial, de 1990 a 2021. Fonte: (St. Louis Fed). 

Assim, compreender como as alterações climáticas podem influenciar a produção alimentar mundial é essencial.

Os principais efeitos negativos das alterações climáticas na agricultura.

As alterações climáticas trazem consigo uma série de eventos climáticos que podem influenciar negativamente a produção alimentar. Nomeadamente:

  • Alteração das condições climáticas, como por exemplo a temperatura\precipitação média anual, desregulando ciclos de produção;
  • Aumento de eventos climáticos extremos, dias de forte precipitação, dias com temperaturas anormalmente elevadas ou baixas, aumento do número de dias de geada;
  • Aumento do número de incêndios;
  • Aumento de situações de seca extrema ou inundações;
  • Aumento de eventos como tempestades (vento ou chuva) extremas.

Segundo o estudo “Os efeitos dos extremos climáticos na produção agrícola global” de Elisabeth Vogel e seus pares, sobre o efeito da alteração das condições climáticas, na produção de milho, arroz, soja e trigo, concluiu que o aumento gradual das temperaturas e dos níveis de precipitação que temos vindo a assistir, ajudam a explicar entre 20%-49% das variações anormais na produção. Já os eventos extremos, como os dias de temperatura\precipitação anormais, ajudam a explicar 18%-43%. No entanto reforçam que, as anomalias de temperatura e os eventos extremos têm o efeito mais preponderante, tendo sido observada uma correlação directa entre estes fenómenos e quebras de produção (Fonte: Vogel, et al., 2019).

No entanto, perante a análise dos efeitos das alterações climáticas na produção foi possível verificar que o aquecimento global e o aumento dos níveis de CO2 podem ter, tanto impactos positivos como negativos para a produção alimentar, como sugere um estudo publicado pela FAO, onde são identificados alguns destes impactos, tal como projectada a redução de produção agrícola a nível mundial, devido aos efeitos das alterações climáticas.

Impactos positivos das Alterações Climáticas:

Em locais com regimes de temperatura inicial mais fria, em latitudes altas do globo, o efeito fisiológico provocado por índices mais elevados de CO2, levou ao aumento da fotossíntese, que compensou com vantagem, o encurtamento do período de crescimento causado pelo aumento das temperaturas. Ou seja, foram observados ganhos de produção.

O aumento das temperaturas prolongou a estação de crescimento sem geadas nas regiões mais a norte, de elevada altitude, e proporcionou regimes mais conducentes a uma maior produtividade das culturas.

Impactos negativos das Alterações Climáticas:

Encurtamento do período de crescimento. As temperaturas mais elevadas durante a estação de crescimento aceleram o desenvolvimento das culturas anuais, fazendo com que sejam produzidos menos grãos. Isto ocorreu em todos os locais, exceto naqueles com temperaturas mais baixas durante a estação de cultivo no Canadá e na ex-URSS.

Diminuição da disponibilidade de água. Isto deve-se a uma combinação de aumentos nas taxas de evapotranspiração em climas mais quentes, maiores perdas de humidade no solo e, em alguns casos, a uma diminuição da precipitação. 

Má vernalização. A vernalização é a necessidade de algumas culturas de cereais, de clima temperado, por exemplo, trigo de inverno, de períodos de baixas temperaturas no inverno para iniciar ou acelerar o processo de floração. A baixa vernalização resulta em baixa floração, e como consequência, na redução da produção final. As reduções na produção de trigo de inverno em alguns locais no Canadá e na ex-URSS foram causadas pela falta de vernalização.

No estudo, foram usados três cenários de alterações climáticas, GISS, GFDL e UKMO. 

  • GISS assume o aumento de 630PPM de CO2; aumento de 4,2ºC de temperatura média global, e 11% de variação na precipitação.
  • GFDL assume o aumento de 600PPM de CO2; aumento de 4ºC de temperatura média global, e 8% de variação na precipitação.
  • UKMO assume o aumento de 640PPM de CO2; aumento de 5,2ºC de temperatura média global, e 15% de variação na precipitação. 
*PPM: Partes por Milhão

Legenda: Produção actual em toneladas e variações na produção, em percentagem, perante os efeitos das alterações climáticas. Os efeitos fisiológicos remetem para o efeito dos mais elevados níveis de CO2 na produção. Fonte: (FAO).

Tendo sido possível concluir que:

  • As temperaturas mais elevadas tendem a encurtar o período de crescimento em todos os locais testados;
  • No hemisfério sul, as culturas já são actualmente cultivadas a temperaturas mais elevadas, e já produzem rendimentos mais baixos, estando mais próximas dos limites de tolerância térmica ao stress térmico e hídrico. O aquecimento global no hemisfério sul resulta, assim, em períodos de crescimento acelerado para as culturas, em níveis elevados de stress térmico e hídrico e em maiores reduções de rendimento, comparativamente com o hemisfério norte;
  • Em muitas áreas de latitudes médias e altas (centro e norte do globo), onde os actuais regimes de temperatura são mais frios, o aumento das temperaturas, embora reduzam os períodos de crescimento das colheitas, exercendo assim uma influência negativa sobre a produção, não se verifica um aumento significativo dos níveis de stress térmico e hídrico;
  • Em alguns locais de alta latitude (topo norte) o aumento das temperaturas pode beneficiar culturas que de outra forma seriam limitadas por temperaturas frias e estações de crescimento curtas;
  • Os cenários de alterações climáticas GISS e GFDL produziram alterações aos níveis de produção mundial que variam entre +30 e -30%;
  • O cenário de alterações climáticas UKMO, que regista o maior aquecimento global (aumento de 5,2°C), faz com que o rendimento médio das colheitas diminua em quase todo o mundo;
  • Mesmo incluindo o factor positivo na equação, os efeitos fisiológicos do CO2 no rendimento das colheitas, estima-se que a produção mundial de cereais diminua entre 1 a 3% nos cenários GISS e GFDL, e 7% no cenário climático UKMO;
  • Assumindo a adaptação às alterações climáticas ao nível da exploração agrícola, nomeadamente através de novos sistemas de cultivo, datas de plantação e colheita, mudança de tipos de cultura, aumento da fertilização e irrigação, a produção de cereais ainda teria uma redução entre 0 a 2% e 5%, respectivamente, para os cenários GISS/GFDL e UKMO.

O estudo vai de encontro ao mapa desenhado pelo Banco Mundial em 2010, que projecta o seguinte cenário global:

Legenda: Alteração em percentagem dos níveis de produção agrícola mundial, por regiões. Fonte: (World Bank). 

Perante esta análise, é relativamente simples concordar com a correlação entre alterações climáticas e níveis de produção agrícola. Sendo que, os seus efeitos mais drásticos no hemisfério sul, significam uma forte desigualdade, tal como, permitem antecipar níveis de stress social e alimentar graves.  

As regiões do hemisfério sul, como África, ou a América do Sul, já são tendencialmente mais pobres, onde se verificam maiores níveis de escassez de alimentos e fome. Para agravar, são também regiões onde o sector primário é mais preponderante, e onde as taxas de crescimento populacional são mais elevadas. Mesmo que possamos excluir os piores cenários projectados, é factual que as alterações climáticas, a um nível mais ténue, vão agravar na mesma as condições produtivas nestas regiões. As possíveis implicações deste cenário é o aumento da fome, que terá como consequência inevitáveis, as mortes ou ondas de migração para norte.  

Outro aspecto relevante, é o dado que nos indica que, o aumento potencial da produção agrícola será nas regiões de latitude mais a norte. No entanto, será que o mundo consegue traduzir esse potencial, em acréscimos de produção que compensem as perdas a sul? O sistema de comércio global será justo para com um sul mais pobre? Como vai o hemisfério norte aumentar a sua aposta num sector que tem verificado um forte declínio? 

Esta análise ajuda a compreender melhor os efeitos das alterações climáticas na produção agrícola mundial. Apesar da análise ter incidido essencialmente sobre a produção de grãos, não deixa de refletir alguns dos produtos mais relevantes para o mercado internacional alimentar.  

Não deixa de ser curioso que o CO2 acaba por desempenhar um papel tanto positivo como negativo nesta equação 

È possivel compreender que o aquecimento global poderá não ter efeitos catastróficos, especialmente com alguma adaptação por parte do sistema produtivo. No entanto apresenta desafios regionais relevantes.  

Por fim, referir que os estudos concentram-se na análise à variação das temperaturas e precipitação, no entanto os eventos climáticos extremos, e outras consequências das alterações climáticas também podem exercer a sua influência neste fenómeno.

 

 

Sem comentários

Com tecnologia do Blogger.