GeoEngenharia - Uma Inovação Controversa no Combate ao Aquecimento Global

As alterações climáticas, enquanto questão central global, apoiada em factos e científicos, tem motivado bastantes acções de sensibilização, políticas públicas e acordos internacionais. Tem também motivado bastante inovação, seja nas acções de combate às emissões de co2, de mitigação de efeitos e na procura de alternativas energéticas que alterem o padrão de emissões globais de co2. E é no âmbito da inovação, que surge o que podemos denominar como um novo campo científico de combate às alterações climáticas, a geoengenharia. 

Em que consiste a geoengenharia, o que é, exemplos, como funciona, quais as suas eventuais vantagens e desvantagens, vamos abordar o tema nesta publicação. 

Geoengenharia traduz-se no conceito de, através da intervenção humana directa em fenómenos geológicos, ser possível alterar o comportamento dos elementos, e o comportamento natural do planeta. O conceito pretende surgir como mais uma resposta às alterações climáticas, intervindo directamente nos fenómenos naturais que provocam o aquecimento global. 

O primeiro exemplo de geoengenharia é denominado de geoengenharia solar, ou gestão da radiação solar, que consiste no método de libertação, através de aviões, de aerossóis de sulfato para a estratosfera, com o objectivo de refletir a luz solar sobre a terra, causando um efeito sombra sobre a terra. Esta técnica visa imitar os efeitos de arrefecimento do planeta causados por erupções vulcânicas, injetando dióxido de enxofre (SO₂) diretamente na estratosfera. 

A geoengenharia solar procura intervir no seguinte fenómeno: A luz solar que é emitida na terra parte é refletida, mas a maioria é absorvida pela Terra. Parte desse calor absorvido pela Terra é novamente irradiado para o espaço, no entanto, os gases com efeito de estufa actua como um cobertor, e retêm o calor no planeta, aumentando assim a temperatura média do planeta. Dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O) e o vapor de água são todos gases de efeito estufa. Sendo que este fenómeno se auto perpetua e se reforça no tempo.   

Legenda: Efeito da libertação para a estratosfera de aerossóis. Fonte: (Harvard Solar Geoengineering Research Program). 

 

A geoengenharia solar, ao mesmo tempo que mitiga as consequências mais graves das alterações climáticas a nível global, como o aumento das temperaturas da superfície, pode introduzir potenciais consequências desconhecidas para a saúde pública que necessitam de investigação aprofundada. A geoengenharia solar, tem o potencial de reduzir os riscos das alterações climáticas para a saúde pública e para os ecossistemas, mas pode perturbar os sistemas ambientais globais, impactando potencialmente a qualidade da água, os padrões de precipitação, a agricultura e o nível de infecções zoonoses (infecções derivadas de vírus, bactérias, parasitas ou fungos). Fonte: (Tracy, Samantha M. et al. 2022).

O segundo exemplo de geoengenharia é denominado de Branqueamento Marinho de Nuvens. A técnica visa nuvens mais brancas, por forma a refletir mais luz solar de volta ao espaço. A maior densidade de cor branca nas nuvens é alcançada aumentando a concentração de gotículas nas nuvens. Para conseguir isso, os proponentes da técnica, sugerem disparar grandes quantidades de partículas, como aerossóis de sal marinho, para as nuvens, em zonas marítimas. Essas partículas actuariam como núcleos de condensação na composição das nuvens, contribuindo para que as moléculas de vapor de água se reúnam em torno desses núcleos de condensação, formando nuvens essencialmente compostas de pequenas gotículas, mais brancas e densas. 

O conceito é realizado através da pulverização de aerossóis salgados, usando para esse feito água do mar, pulverizada a partir de embarcações com bicos capazes de transformar a água salgada em pequenas partículas. Nuvens mais brilhantes poderiam, teoricamente, diminuir a radiação solar que atinge a superfície da Terra e, portanto, reduzindo assim a temperatura da atmosfera e dos oceanos.  

Legenda: Nuvem composta de gotículas maiores, tendencialmente mais cinzenta e translúcida à esquerda da imagem, permite maior passagem de radiação solar, dado a sua menor capacidade em refletir a luz solar. A direita, nuvem composta por gotículas menores, logo mais densa e branca, que por sua vez, permite menor passagem de radiação solar, devido ao seu maior efeito de reflexo. Fonte: (NASA).

No entanto, esta prática não reduziria a concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera e, como todas as técnicas de geoengenharia, poderia ter impactos nos padrões climáticos com impactos ecológicos potencialmente calamitosos para regiões inteiras. Quem decidiria onde infligir potenciais secas ou inundações causadas pelo brilho das nuvens em grande escala?


Em terceiro lugar, temos o método denominado de Diminuição das Nuvens Cirrus. Este método de geoengenharia solar que visa eliminar ou diluir nuvens cirrus para permitir que o calor da terra seja mais facilmente transferido para o espaço. 

As nuvens cirrus, são finas e longas nuvens, encontradas a grandes altitudes na troposfera, que se caracterizam por absorver mais luz solar do que a luz que refletem. Ao se formarem em altitudes mais altas, são compostas por temperaturas mais frias, e são compostas por cristais de gelo. 

Se estes cristais de gelo forem numerosos e pequenos, as nuvens cirrus impedem que a radiação terrestre escape para o espaço, tendo elas assim, um impacto climático semelhante aos gases com efeito de estufa, o tal efeito manta, retendo a temperatura da terra. 

Quando os cristais de gelo que constituem as nuvens cirrus são pequenos e numerosos, as nuvens cirrus são mais densas e permitem a passagem de pouca radiação, mantendo o calor na Terra. Por outro lado, uma nuvem cirrus mais fina, composta por cristais maiores e em menor número, permite que mais radiação passe para o espaço. 

O processo de diminuição das nuvens cirrus visa, portanto, estimular a criação de cristais maiores, injetando núcleos de gelo, como iodeto de bismuto, partículas de ácido sulfúrico ou nítrico nas áreas onde essas nuvens se formam naturalmente. Estas injeções alteram a composição das nuvens cirrus, permitindo que a sua nova composição, com gelo mais denso, partículas maiores, e uma vida útil mais curta, aumente a quantidade de radiação terrestre libertada para o espaço. 

Legenda: Descrição do método de Diminuição das Nuvens Cirrus. Fonte: (Defense and Climate Observatory).

Mencionados os três principais métodos, apenas referir que existem outros dois, o método de aumentar a capacidade refletiva da terra ao nível do solo, e o método espacial, cobrindo o planeta de elementos refletivos. No entanto, se o primeiro até pode ser uma estratégia exequível, na medida que pode ser interligada com outras políticas, por forma a apoiar a instalação ou construção de elementos mais refletivos, a segunda já nos parece demasiado distante da realidade actual. 

Legenda: Os três métodos de geoengenharia apresentados nesta publicação. Fonte: (National Academies).

Apesar da geoengenharia ainda se encontrar numa fase relativamente embrionária, já existem sinais de alguma resistência. Nomeadamente através de uma acção colectiva, denominada de “Solar Geoengineering – Non-use agreement”, que tem vindo a recolher assinaturas para a sua carta aberta, na qual defende a exclusão deste tipo de soluções de qualquer estratégia de mitigação às alterações climáticas, pelos riscos e incertezas que tais métodos comportam. Segundo os assinantes deste manifesto, a geoengenharia não deve ser adoptada porque:  
 

  • Os riscos da geoengenharia solar são mal compreendidos e nunca poderão ser totalmente conhecidos. Os impactos podem variar entre regiões e há incertezas sobre os efeitos nos padrões climáticos, na agricultura e no fornecimento de necessidades básicas de alimentos e água.- As esperanças sobre uma eventual disponibilidade futura de tecnologias de geoengenharia, ameaçam os compromissos de mitigação actuais, e podem desincentivar os governos, as empresas e as sociedades a fazerem agora, tudo o que esteja ao seu alcance, para alcançar a descarbonização, ou a neutralidade carbónica, o mais rapidamente possível.
  • A possibilidade especulativa da futura geoengenharia solar, corre o risco de se tornar um argumento poderoso para os lobistas da indústria, os negacionistas do clima e para alguns governos adiarem políticas de descarbonização.
  • O actual sistema de governança global será incapaz de desenvolver e implementar os acordos de longo alcance necessários para manter um controlo político justo, inclusivo e eficaz na eventual implantação da geoengenharia solar. 
  • A Assembleia Geral das Nações Unidas, o Programa das Nações Unidas para o Ambiente ou a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas são todos incapazes de garantir um controlo multilateral equitativo e eficaz sobre a implantação de tecnologias de geoengenharia à escala planetária.
  • O Conselho de Segurança das Nações Unidas, dominado por apenas cinco países com poder de veto, carece da legitimidade global, algo que seria necessário para regular eficazmente a implantação da geoengenharia solar. 

Fonte: (Solar Geoengineering – Non-use agreement).

A carta aberta sustenta a ideia de que, a geoengenharia é uma inovação pouco fiável e potencialmente perigosa. Reforça também a ideia de que, caso estes métodos fossem aplicados, iriam requerer uma forte regulação e coordenação ao nível global, algo que no entender dos seus assinantes, não existe e será de difícil controle e regulação. 

Sobre os referidos métodos, devemos em primeiro assinalar, a capacidade e engenho humano para a inovação. Afinal, mesmo no leque de críticas que é feito à geoengenharia, não está em causa a sua sustentação científica. Sendo sempre positivo dispor de mais soluções, mesmo que possam ser de último recurso.

No entanto, é inevitável olhar para o desenvolvimento da geoengenharia com alguma relutância. Os métodos podem dispor de sustentação científica, no entanto, a grande dificuldade da comunidade científica, tem sido medir os efeitos secundários da aplicação destes métodos. 

Se a aplicação em fase de testes apresenta dúvidas, principalmente por ser difícil medir os seus efeitos regionais, imaginemos o que seria o seu uso sem regulamentação a nível global, onde uma região aplicava determinado método para o seu benefício, e cujos efeitos secundários negativos podiam vir a ser sentidos numa região vizinha. 

Ou questionamos até, como lidaria a governança global, com o caso de se provar que o uso da geoengenharia beneficiaria um vasto leque de regiões, em detrimento de outras? 

Independentemente do elogio que a inovação mereça, não parece sustentável apostar em soluções complexas, quando ainda se dispõe de soluções conhecidas, seguras e com efeitos que perduram no tempo, nomeadamente a transição energética e a descarbonização da economia. 

Por fim, é razoável afirmar que a geoengenharia pode ser até um contra-senso, na medida em que se procura através da actuação directa e artificial humana, tentar resolver um problema criado por anteriores actuações directas humanas que nos conduziram ao aquecimento global e aos níveis actuais de CO2 na atmosfera. Será que, mais uma vez, a actuação humana, não criará novos e mais complexos problemas climáticos?

 

 

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